Durante o encontro foi realizado um balanço, seguido de avaliações das entidades em relação à implementação do programa Sanear Amazônia

Manaus – Dos dias 6 a 8 de abril aconteceu em Belém o IV Encontro do Sanear Amazônia. O evento reuniu lideranças de entidades extrativistas de várias partes do país, como Tocantins, Amapá, Amazonas, Acre, Maranhão e Pará com o objetivo de compartilhar experiências e perspectivas de avanço do programa Sanear Amazônia entre as famílias extrativistas promovendo acesso à água potável e ao saneamento básico.

Durante o encontro foi realizado um balanço, seguido de avaliações das entidades em relação à implementação do programa Sanear Amazônia, relatando suas experiências e impressões. De acordo com Joaquim Belo, presidente do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), o encontro foi primordialmente um espaço de conversa política.

De acordo com Joaquim, até dezembro de 2017, mais de 2 mil famílias foram atendidas pelo programa. “Queremos ir além, chegar em todas as reservas e todo território amazônico. Precisamos definir novas estratégias para avançar através do estado, esse é o objetivo desse encontro, compartilhar experiências, fortalecer as lideranças e elaborar  maneiras de ampliar o acesso à água potável, ao banheiro com sanitário e com privacidade. Isso pode ser alcançado através do Sanear”, disse Joaquim.

Na região Amazônica, a maior parte da população em situação de vulnerabilidade socioeconômica não tem acesso à água potável. “Em geral a água usada para cozinhar é retirada do mesmo local que se utiliza para lavagens de louça e roupa. Além disso os banheiros a céu aberto tendem a contaminar o solo”, explica Paulo Bonassa, biólogo do Memorial Chico Mendes.

Para Joaquim o programa Sanear Amazônia é uma conquista. “É uma política pública onde, através de uma tecnologia social de captação e distribuição de água, se leva a cidadania que tem sido negada às populações extrativistas. Se nosso povo adoecer, estamos perdidos, porque médico não chega nas comunidades, nossa alternativa é prevenir e o Sanear é a ferramenta”, finalizou.

Sanear Amazônia

Iniciado como projeto, o Sanear Amazônia foi desenvolvido em comunidades do Médio Juruá, no Amazonas em 2009. A tecnologia social é composta de um kit para captação e distribuição de água potável, banheiro com sanitário e esgoto. “É um programa bastante completo. “Diversas vezes, projetos implementados pelos nossos governantes não são pensados a longo prazo, são ações que ficam reféns de uma determinada gestão, que, após encerrada leva consigo seus benefícios”, disse Joaquim Belo.

São dois sistemas de captação de água, o “Sistema de Acesso à Água Pluvial Multiuso Comunitário” e o “Sistema de Acesso à Água Pluvial Multiuso Autônomo”. No comunitário é captada água da chuva, de poços e dos rios que são tratadas no interior da tecnologia e se tornam potáveis. No sistema autônomo a captação é feita apenas da água das chuvas. Em comunidades com cinco a seis famílias é implementado o sistema comunitário, em um número maior é utilizado o sistema autônomo.

“Em comunidades muito distantes ou nós nos dispomos a fazer, ou nunca será feito. E não é um sistema caro, especialmente se analisarmos os benefícios que proporcionam nas comunidades, pois os impactos gerados refletem na saúde e na produção dessas populações”, acrescentou o presidente.

Ricardo Bernardes, professor da UNB presente no evento, foi um dos principais responsáveis pela elaboração do projeto. “O Sanear começou com uma demanda dos comunitários, fizeram uma plano na reserva do médio Juruá e esse pedido surgiu por parte dos moradores. Fizemos os primeiros diagnósticos e conseguimos recursos da Petrobras para começar a pensar a tecnologia”, contou o pesquisador.

Ricardo relata que o médico sanitarista Oswaldo Cruz passou por algumas comunidades na amazônia e apontou a questão sanitária como um grave problema. “Essa questão apontada pelo médico em 1913 não tinha uma expectativa de solução até 2007. Então nos questionamos se seria necessário mais cem anos pra que algo fossem feito por essas pessoas”, questionou.

Os banheiros são muito solicitados pelas mulheres, conforme Ricardo. “Muitas nunca tinham experimentado usar um banheiro com privacidade. As pias para cozinha também são muito comemoradas. As mulheres precisavam fazer várias viagens, carregando grandes vasilhames de água para as atividades domésticas”, explicou.

De acordo com ele, as longas distâncias que as mulheres percorrem para coletar a água e o esforço para carregar os reservatórios, também causavam problemas de saúde. “Eram recorrentes as dores na coluna, então até essa questão que nem esperávamos, teve desdobramentos positivos”

Na comunidade Boa Esperança no município de Curralinho (PA), nasceu Letícia de Moraes, extrativista e supervisora do Memorial Chico Mendes no Pará.

“Na comunidade de onde venho, as tarefas de manuseio da água são, em sua maioria, feitas pelas mulheres.  A melhoria da qualidade de vida foi muito grande, de tempos em tempos nós perdíamos entes queridos para doenças advindas das parasitoses. Então o Sanear veio dar ‘aquele gás’ que a comunidade precisava pra fortalecer a organização, porque muitas famílias estavam desacreditadas em melhorias das condições de vida através de políticas públicas. Com o programa nós nos fortalecemos por meio da participação social. Se ampliou o entendimento de que através da organização comunitária mais projetos poderiam chegar até a comunidade e melhorar a vida de todos”, comentou Letícia.

Em Boa Esperança, se produz açaí, farinha, há projetos de piscicultura, cacau, cupuaçu, abacaxi, banana, mandioca, macaxeira e outros produtos e, de acordo com Letícia, o acesso à agua facilitou as atividades de produção.

Ela relata que os sanitários eram a céu aberto  e a chegada do Sanear foi uma inovação positiva para a comunidade Boa Esperança. “Nós, que recebemos o Sanear, queremos que todas as populações extrativistas também recebam, porque sabemos a importância do programa e das melhorias que proporciona. O saneamento ainda é um direito que é negado aos extrativistase e nós também somos cidadãos de direitos. Não recebemos o programa Sanear, recebemos saúde. As pessoas quando recebiam os banheiros, as caixas, fossas e captação de água, começaram construir melhorias em suas casa e até mesmo o movimento das mulheres se fortaleceu” comemorou, a extrativista.

No fim do evento, lideranças comemoram os avanços conquistados através do Sanear Amazônia / Foto: Maysa Leão

Sanear Amazônia premiado

O programa ficou em primeiro lugar no Prêmio Fundação Banco do Brasil de Tecnologia Social, na categoria Comunidades Tradicionais, Agricultores Familiares e Assentados da Reforma Agrária em 2015, onde concorreu com outras 154 práticas em seis categorias. O programa é parte de uma parceria entre o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) e o Memorial Chico Mendes.

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Foto: Maysa Leão

 

Robson Costa – Associação dos Moradores da Reserva Extrativista MApuá – AMOREMA / Foto: Maysa Leão

 

Ivanildo Brilhante, membro do CNS / Foto: Maysa Leão

 

Fábia, Beto e Elisângela representantes da Associação de Mulheres do Baixo Cajarí – AMBAC / Foto: Maysa Leão

 

Clodoaldo Pontes, Joaquim Belo, Nazaré Pereira, Letícia de Morais e Dione Torquato / Foto: Maysa Leão

 

Ângela Mendes, a cantora Nazaré Pereira e Maria José Weiss / Foto: Maysa Leão

 

Luis Tenório, Dione Torquato e Paulo Rocha / Foto: Maysa Leão

Por: Maysa Leão