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A Resera Extrativista Rio Ouro Preto foi umas das quatro primeiras unidades de uso sustentável a serem criadas no Brasil. Está localizada nos municípios de Guajará-Mirim e Nova Mamoré, em Rondônia e integra o maior bloco de área protegida do Estado. A partir de Guajará-Mirim, chega-se à Reserva pelos rios Mamoré e Ouro Preto ou por estrada, através de um ramal de 40 Km que leva até o “Lago do Pompeu” às margens do rio Ouro Preto. Com uma área aproximada de 204.583 ha, a RESEX do Rio Ouro Preto limita-se ao Norte com a Terra Indígena Lage e o Parque Estadual de Guajará-Mirim; a Leste com a Terra Indígena Uru-eu-wau-wau; a Sul e Oeste com a Reserva Biológica Estadual do Rio Ouro Preto e a Floresta Estadual Extrativista do Pacaás Novos.

ORIGEM DA RESEX

Texto de João Valentin Wawzvniak (1994)

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Preparando tapioca na cozinha da casa da colocação Ouro Negro e Morada da Colocação Floresta, Reserva Extrativista Rio Ouro Preto, Rondônia, 1990. Fotos: Valentin Wawzyniak.

De um modo geral, o movimento dos seringueiros era frágil no estado,  apesar de, já em 1985, terem sido realizados encontros para discutir e escolher representantes para o I Encontro Nacional dos Seringueiros, realizado em Brasília, e de terem sido criadas as Associações de Seringueiros e Soldados da Borracha para reivindicar a aposentadoria para os seringueiros que trabalharam durante a Segunda Guerra Mundial.

O marco para a criação da Reserva Extrativista do Rio Ouro Preto pode ser tomado como o I Encontro dos Seringueiros de Guajará Mirim, realizado em fevereiro de 1989, para discutir os problemas dos seringueiros do município e escolher delegados para o II Encontro Nacional dos Seringueiros. Até então não havia qualquer forma de organização política dos seringueiros no município. O encontro contou com a participação de 278 seringueiros, dos quais 167 eram do Rio Ouro Preto, além de representantes de entidades governamentais e não-governamentais. Neste encontro os principais problemas foram apontados como sendo: pagamento da renda, falta de garantia sobre as colocações, falta de assistência de saúde e educação, desmatamento, baixo preço da borracha e alto preço das mercadorias.  Entre as principais reivindicações apresentadas  destacavam-se: fim do pagamento da renda, garantia de permanência nas colocações, melhor preço para a borracha, criação de uma cooperativa e assistência de saúde e educação. Durante o encontro foi criada uma Comissão Municipal com a responsabilidade de ampliar o trabalho de organização e encaminhar as reivindicações (WAWZYNIAK, 1989).

No final de 1989 o Instituto Estadual de Florestas propôs a criação de uma área protegida com 54.000 hectares. Verificou-se posteriormente, com base no mapa apresentado, que ela abrangia apenas uma estreita  faixa  situada nas duas margens do rio, excluindo áreas de terra firme, os poucos castanhais existentes e alguns igarapés ocupados por seringueiros. A partir destas observações,  o IEF ampliou  a área para  204.583 hectares.

Apesar de possuírem uma noção difusa da idéia de Reserva Extrativista, ela expressa a garantia de permanência nas colocações reivindicada durante o I Encontro dos Seringueiros de Guajará Mirim. O depoimento de um dos seringueiros entrevistados transcrito a seguir revela que, além do direito de posse ela atende também a um projeto de autonomia, pois segundo ele: “Cada seringueiro se tornou dono de sua colocação. Não precisa prestar conta pra ninguém. No tempo dos patrões era duro porque toda produção tinha que ser entregue ao patrão”.

Características sociais, práticas produtiva, uso e  manejo dos recursos naturais

A vida na RESEX caracteriza-se por certo grau de isolamento. Por outro lado,também caracteriza-se pela presença da reciprocidade, com o estabelecimento de relaçõesde troca e intenso convívio entre os moradores locais, que se manifesta pela “camaradagem”, “compadrio”, e pela ajuda mútua, principalmente entre membros de famílias extensas e vizinhos. Em muitas localidades da reserva ainda hoje ocorre a prática de trabalhos coletivos, tanto para atender demandas referentes a espaços de uso comum (limpeza de “furos”, caminhos, etc), quanto para demandas individuais ou familiares (construções e trabalhos de roça, etc).

Historicamente é possível observar que nem sempre a atividade extrativista foi a única atividade da economia local, e nem sempre foi atividade central de geração de renda. Desde o momento da criação da RESEX, em 1990, até hoje, houve uma contínua “baixa” do extrativismo do látex como fonte de sobrevivência. O extrativismo passou a ser a segunda atividade de geração de renda na unidade, predominando a atividade agrícola, e, de forma complementar, a caça e pesca de subsistência, numa estratégia de uso múltiplo dos recursos. Essas atividades ocorrem de modo simultâneo ou intercalam-se ao longo do ano, flutuando de acordo com variáveis ambientais e/ou socioeconômicas.

Ao longo do ano, ocorrem expressivas variações nas práticas de caça e pesca, em função da oscilação do regime das águas e disponibilidade dos habitats aquáticos e terrestres. A sazonalidade também está presente na coleta de diferentes frutos nativos utilizados na alimentação, bem como a disponibilidade da seringa e da castanha.

Outra característica marcante quanto ao uso de recursos na RESEX refere-se à indissociabilidade de algumas práticas extrativistas e demais atividades. Há várias especificidades no modo local de uso de recursos, com a presença de muitos elementos extrativistas na agricultura, caça e pesca. Por exemplo, na confecção de instrumentos e ferramentas de trabalho – balaios, cuias, arpão, armadilhas, e também na construção de embarcações, casas de farinha, pontes, escadas, e, por fim, moradias. Essa permeabilidade de elementos extrativistas nas demais atividades torna mais adequado o uso do termo “agroextrativismo” para definir as práticas locais de manejo como baseadas no uso múltiplo de recursos, bem o entendimento de que o modo de vida local define-se por uma dependência difusa de vários produtos da floresta, e não apenas àqueles estritamente relacionados a ganhos econômicos, como a castanha e o látex.

Os moradores da RESEX do Rio Ouro Preto fazem largo uso de várias espécies da flora nativa, tanto pra alimentação quanto para usos medicinais, em construções de moradias, instrumentos de trabalho/ferramentas, embarcações, além daquelas espécies exploradas com fins comerciais (sobretudo castanha e látex de seringa verdadeira).

Outra especificidade do uso de recursos naturais na RESEX, que apresenta relações com as formas locais de apropriação do território, é a coexistência de recursos e espaços de uso comunal e de uso individual, cujas regras de uso estão estabelecidas no “Acordo de Gestão” Os recursos pesqueiros são apropriados de modo comum, no entanto, há algumas regras locais sobre restrições de acesso e direitos costumeiros sobre os locais de pescaria. Essas restrições referem-se principalmente aos locais que cada família dispõe seus espinhéis. Nestes locais, entende-se que seja de uso preferencial do morador que os colocou. Fora dessas situações, entende-se que o local de pescaria de cada morador é mais ou menos toda a área de abrangência de sua comunidade, incluindo lagos, baías e furos que acessam alguns sítios.

No entanto, não é muito comum que se pesque em áreas muito próximas ao sítio de um outro morador, a menos que seja parente ou em situações de deslocamento, apenas com linha (caniço preso na linha), com exceção dos moradores da “linha seca”, ou seja, das comunidades que não estão na beira do rio Ouro Preto, que costumam eventualmente se deslocar para pescar na região do baixo curso do rio, geralmente em lagos e baías.

Quanto aos recursos faunísticos, a caça é considerada um recurso coletivo. No entanto, entende-se que cada um deve caçar em sua área de “fundo de roça” ou estrada de seringa ou ainda áreas florestadas próximas à sua localidade, ou do outro lado do rio, enfim, em trechos distantes das localidades onde há morador. São tidas como “normais” a prática de caça com espingarda quando ocorrem durante deslocamento de um morador por varadouros que atravessam sítios, roças ou estradas de seringa de outrem. Por outro lado, a montagem de “esperas” (armadilhas), quando descobertas nestes mesmos locais, são interpretadas como atos invasivos, ou, no mínimo, falta de educação, segundo relato dos moradores. Ou seja, há uma noção do território comunal e território individual ou familiar de caça que cabe a cada um. Em situações de viagem, com deslocamento pelo rio, essas noções não se aplicam, pois eventualmente pode ocorrer a prática da caça e pesca para consumo imediato dos que estão se deslocando.

Também são áreas comunais, em cada comunidade, edificações como escolas, casa de reunião, campos de futebol, postos de saúde. Eventualmente há uma televisão comunitária. Em muitas comunidades, os moradores disseram também já ter tido um aparelho de radiofonia comunitário, embora em 2009 não houvesse nenhum em funcionamento.

Fonte: Informações extraídas do Plano de Manejo da Resex do Rio Ouro Preto (ICMBIO 2014, pags. 35; 59-61):

http://www.icmbio.gov.br/portal/images/stories/imgs-unidades-coservacao/Versao_completa_21_08_2014_com_mapas.pdf

REFERÊNCIAS SOBRE A RESEX DO RIO OURO PRETO

ARAGON, Castilho. Proposta de Plano de desenvolvimento da Reserva Extrativista do Rio Ouro Preto. IBAMA, 1997.

ICMBIO. Plano de Manejo da Resex do Rio Ouro Preto. 2014.

MORET, Artur. Relatório do levantamento Sócio – Econômico da Reserva Extrativista do Rio Ouro Preto (ASAEX) – Guajará-Mirim. Universidade Federal de Rondônia, 2004.

OLMOS, F., Alfredo de Queiroz Filho, Celi Arruda Lisboa.  “As Unidades de conservação de Rondônia”.  PNUD, PLANAFLORO – Governo de Rondônia, 1999.

SACRAMENTO, M.F. “Extrativismo versus Agropecuária na Reserva Extrativista do Rio Ouro Preto – Guajará-Mirim/Nova Mamoré – RO: diferenciais de renda e perspectivas de sustentabilidade. Dissertação de Mestrado. UnB, Departamento de Engenharia Florestal, 2002.)

SANTOS, Nilson. Seringueiros da Amazônia: sobreviventes da fartura. Tese de Doutorado em Geografia Humana, USP, 2002.

VALIANTE, J.O.; SIENA, O. Produção Sustentável em Reservas Extrativistas. Universidade Federal de Rondônia – UNIR , PORTO VELHO, RO. Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural, Rio Branco – Acre, 20 a 23 de julho de 2008.

VALIANTE, José Otávio. 2008. A sustentabilidade da Produção Extrativa da RESEX do Rio Ouro Preto (RO). Dissertação de Mestrado apresentada ao Núcleo de Ciências Sociais da Faculdade de Educação da UNIR. Porto Velho.

WAWZYNIAK, J. V.  “Quem Não Quer De Novo Não Cuida”: Processos de Herança entre Seringueiros de Rondônia. Revista Campos 4:67-92, 2003.

WAWZYNIAK, J. V. 1994. Rondônia – Reserva Extrativista do Rio Ouro Preto: transformações nas formas de apropriação da natureza e estratégias de sobrevivência. Em: O destino da floresta: reservas extrativistas e desenvolvimento sustentável na Amazônia. Ricardo Arnt (edição). – Rio de Janeiro: Relumé-Dumará; Curitiba, PR: Instituto de Estudos Amazônicos e Ambientais, Fundação Konrad Adenauer.

WAWZYNIAK, J. V. Relatório do I Encontro dos Seringueiros do Município de Guajará-Mirim. Curitiba, IEA, 1989. Mimeo.